segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Quem conta um conto ... I


I – EXT. RUA. MANHÃ

JÚLIA está debruçada sobre a janela de sua casa, olhando para a rua. Júlia é uma senhora com cerca de 60 anos. A janela onde se encontra debruçada, é uma das janelas do 1º andar. António e Ana cruzam-se na rua e cumprimentam-se com um bom dia e seguem caminho sem mais nada dizer. António é um homem com cerca de 40 anos e Ana é mais jovem tendo cerca de 19 anos.

ANTONIO
Bom dia!

ANA
Bom dia!

Momentos mais tarde, passa na rua OLGA, uma senhora igualmente na casa dos 60 e cumprimenta a vizinha Júlia que se encontra ainda debruçada sobre a janela.

OLGA
Bom dia vizinha!

JÚLIA
Bom dia! Nem sabe o que os meus olhos acabaram de ver!
Estou chocada!

OLGA
O quê vizinha?

JÚLIA
O António e a neta de Josefina têm um caso de certeza!
Passaram aqui super íntimos, nem deram pela minha presença!
Eu sempre desconfiei daqueles dois!


OLGA
O António, o carpinteiro?

JÚLIA
Esse mesmo!

OLGA
Nem posso acreditar! Ele parece tão boa pessoa e anda a fazer isto à mulher!

JÚLIA
É para tu veres como as coisas são!
E o pior é que nem se deram ao trabalho de disfarçar!

OLGA
Pouca bergonha!

II – INT. MERCEARIA. MANHÃ.

Olga entra na mercearia e inicia um diálogo com o VASCO. Vasco é um homem de meia-idade e é o dono do estabelecimento.

OLGA
Bom dia!

VASCO
Bom dia! Como é que vai isso?

OLGA
Vai indo…
Já sabe da pouca bergonha que se passa aqui na vila?

VASCO
Não.

OLGA
O António e a Rosa vão se divorciar!

VASCO
Divorciar?

OLGA
É verdade, também a mim me custou a acreditar quando soube!
Mas acho que a Rosa faz muito bem em não perdoar a traição do marido!

VASCO
Traição?

OLGA
Sim! O António andava a trair a mulher com a neta da Josefina.
A mulher descobriu tudo e vai se separar dele.

VASCO
Quem diria!

OLGA
É verdade, quem diria?

III – INT. MERCEARIA. TARDE

O Vasco está a arrumar uns produtos nas prateleiras na mercearia, quando é interrompido pela voz de ELSA, uma mulher ainda jovem com cerca de 30 e tal anos.

ELSA
Boas!

VASCO
Ora viva!

ELSA
Tem acendalhas? Quero fazer uns grelhados no carvão mais logo!

VASCO
Tenho sim e tenho também uma notícia fresquinha!

ELSA
Que noticia?

VASCO
O António fugiu para o estrangeiro com a neta da Josefina!

ELSA
Quando foi isso?

VASCO
Foi agora há pouco!

ELSA
E a Rosa coitada, como está?

VASCO
Pelo que sei mal, muito mal… Está no hospital em estado crítico. Teve um enfarte quando soube!

IV – EXT. RUA. TARDE

Elsa dirige-se para casa a pé com um saco de compras na mão e cruza-se com ROSA na rua. Rosa tem cerca de 40 e tal anos.

ELSA
Vizinha sabia que a Rosa está em estado crítico no hospital?
Entre a vida e a morte?

ROSA
O que lhe aconteceu?

ELSA
Foi alvejada esta manhã. Ainda não se sabe quem foi o autor dos disparos.

ROSA
Coitada! Anda agora ai uma ladroagem.

ELSA
Pois…longe vai o tempo em que esta era uma vila pacífica!

ROSA
Infelizmente é verdade!

V – INT. CASA DA ROSA E DO ANTONIO. NOITE

Rosa está na cozinha a preparar o jantar. O marido ANTÓNIO chega a casa após mais um dia de trabalho e senta-se no sofá da sala.

ANTONIO
O jantar está pronto?

ROSA
Quase… Estou a fazer um belo de um estufado que tu tanto gostas!

ANTONIO
Estou cheio de fome!

ROSA
Se quiseres vai petiscando qualquer coisa enquanto o jantar termina!

António levanta-se, vai buscar umas azeitonas para ir petiscando e volta a sentar-se no sofá. Liga a televisão e vê o telejornal.

ROSA
Sabes o que aconteceu à pobre da Rosa?

ANTONIO
Diz…

ROSA
Foi alvejada pelo marido.

ANTONIO
Pois…

António está com o olhar centrado na televisão, demonstrando uma clara desatenção ao que a mulher lhe diz, respondendo apenas com monossílabos…

ROSA
Começaram a discutir por causa de um cão de uma vizinha e no calor da discussão, ele saca de uma arma e dá-lhe um tiro.

ANTONIO
Pois…

ROSA
A pobre coitada está entre a vida e a morte no hospital.

Nisto, Rosa pára de falar. E com um ar pensativo observa por breves instantes o marido que continua assistindo televisão, nem se apercebendo do silêncio que de repente se faz sentir. Rosa vai buscar o seu BI. E depois pede o BI do marido.

ROSA
António onde tens o teu BI?

ANTONIO
Pois…

Perante a apatia e desatenção do marido, Rosa aproxima-se dele e coloca-se entre o olhar dele e o televisor.

ROSA
Onde tens o teu BI?

ANTONIO
Sai da frente!

ROSA
Já saio. Diz-me só onde tens o teu BI?

ANTONIO
Tenho aqui comigo porque?

ROSA
Quero só ver a validade.
Se não formos nós mulheres a estarmos atentas a isso, vocês homens…

António coloca a mão no bolso das calças e tira de lá a carteira. Abre a carteira e tira o BI lá de dentro. Entrega o BI à mulher sem mais demora para poder continuar a ver o telejornal descansado.

ANTONIO
Toma e agora sai lá da frente!

Rosa agarra no BI do marido e desvia-se um pouco. Observa o BI do marido e começa a murmurar baixinho.

ROSA
Eu sou Rosa. Meu marido é António. Rosa, António, António, Rosa…

Volta a colocar-se em frente à televisão e devolve o BI ao marido. O marido tenta espreitar para a televisão.
ROSA
Quero o divórcio!

António pára de tentar espreitar para a televisão e olha para a esposa.

ANTONIO
O que disseste?

ROSA
Quero o divórcio!

ANTONIO
O divórcio? Eu sei que não estava a dar muita atenção ao que estavas a dizer mas não é caso para tanto!

ROSA
Não é isso…

ANTONIO
Então? Que fiz eu desta vez?

ROSA
Achas que quero continuar a viver com um homem que me alveja, que me deixa entre a vida e a morte por causa dum mero cão?

Faz-se um longo silêncio. António olha espantado para a esposa.

ANTONIO
Tens já aí os papéis para assinar?

(FIM)

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