quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Umas linhas finais (com ou sem punch)

E prontos: já se acabou o módulo de humor. Ou melhor: já acabou a parte das aulinhas do módulo - ainda há a representação e gravação do programa, esse momento que justifica de certa forma a nossa convivência ao longo de um mês.

Agora é questão de acompanhar o processo até ao fim - de ver como andam a crescer os filhotes. Sem exigências de maior, com grande flexibilidade e assim.

Algumas conclusões (que já trago de cursos e workshops anteriores) confirmaram-se:

- Não existe receita para escrever uma boa piada ou bom sketch.
- Tentar estender teoria (conceitos e isso) sobre a arte de escrever humor é em si um sketch.
- O melhor é mesmo pôr as mãos na massa. Ou por outra: o humor aprende-se humorando (obrigado Mia Couto) - exercitando-o, escrevendo piadas ao lado e tentanto dar-lhes o caminho certo em cada reescrita.
- Isto é tudo menos científico - daí as hesitações nalgumas opiniões, daí a mudança de orientações, daí uma piada que numa altura nos possa parecer boa poder desiludir-nos numa releitura.
- A vida tem o seu quê de belo.

Fiquei contente com esta turma - e não o digo por simpatia. A maior parte dos alunos não tinha escrito um sketch na vida. E agora já escreveu (e organizou) um guião de sketches vários. O que é, digamos, e para citar um poeta húngaro, extraordinariamente bacano.

Nesta confraria de direntes vocações e nervos, apesar das angústias naturais ("isto de escrever humor é muito difícil") e insatisfações, não houve ninguém que tenha falhado o objectivo de fazer o seu sapateado.

Treinaram-se também por aqui o brainstorm e os seus inevitávei s disparates e a humildade (por exemplo, nas decisões finais em relação ao guião). E, não menos importante, a festiva ingestão de poncha, a desenvolver, quem sabe, num futuro workshop só dedicado ao assunto.

E é isto.

Até já, ponchers. Continuem a aprendizagem e o regabofe.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Nós e Ela...


Nao sei mas assim nao!

O sketch que se segue é a minha prenda de anos para a minha colega de turma e amiga Nucha. Já vai com um dia de atraso eu sei mas o que conta é a intençao!
Penso que esta prenda poderá ser bastante útil! ;)

Cá vai a fórmula para entrar na cozinha ou noutro local sem assustar quem já lá está! :)

I. INT. COZINHA. NOITE


Está uma MULHER na cozinha a cortar uns legumes para fazer o jantar. Entretanto entra o MARIDO na cozinha. Trata-se de um casal ainda jovem cuja idade ronda os 30 anos.

MULHER
Ai que susto!

MARIDO
Desculpa! Não era essa a intenção!

MULHER
Tu não podes entrar assim na cozinha!

MARIDO
Assim como?

MULHER
Assim em silêncio! Assustaste-me!

MARIDO
Como queres que entre então?

MULHER
Não sei, mas assim não!

II. INT. COZINHA. NOITE

Imagem do marido a entrar a correr na cozinha onde se encontra a esposa a preparar o jantar.

MULHER
Eh pah assustaste-me!

MARIDO
Desculpa ‘mor.

MULHER
Mas por que raio entraste aqui a correr?

MARIDO
Ontem assustei-te porque entrei em silêncio, daí hoje ter entrado a correr!

MULHER
Assim não!

MARIDO
Então como hei-de entrar sem te assustar?

MULHER
Não sei mas assim não!

III. INT. QUARTO. NOITE

O marido encontra-se no quarto a ler o jornal.

MARIDO
(gritando)
‘Mor daqui a pouco vou à cozinha!
Não te assustes quando me vires!

A mulher entra no quarto.

MULHER
Qual é a tua? Assustaste-me com a tua gritaria!

MARIDO
A ideia era precisamente não te assustar.

MULHER
Não voltes a fazer isso, ok?

MARIDO
Ok. Olha e se fizéssemos o seguinte: a partir de agora para não te assustar eu só vou à cozinha a uma hora marcada.

MULHER
Ok. Parece-me bem.

MARIDO
Então a partir de agora vou à cozinha todos os dias ás 20h!

IV. INT. COZINHA. NOITE

A mulher está a preparar o jantar e o marido entra na cozinha.

MULHER
Que susto!

MARIDO
São 20h. É a minha hora de vir à cozinha.

MULHER
Já são 20h? Nem dei pelo tempo passar!
Mas olha, tu não podes entrar assim!

MARIDO
(um pouco irritado)
Então como hei-de entrar?

MULHER
Não sei mas assim não!

V. INT. COZINHA. NOITE

A mulher está na cozinha a preparar o jantar. Entra um desconhecido.

MULHER
Que susto! Quem é você? E o que quer?

DESCONHECIDO
Eu sou um mensageiro e vim apenas anunciar a chegada do seu marido à cozinha dentro de breves instantes!

Nisto entra o marido na cozinha.

MULHER
Que brincadeira é esta Manel?

MARIDO
(gritando)
Consegui! Consegui!

MULHER
Conseguiste o quê? E que brincadeira é esta?

MARIDO
Consegui descobrir a fórmula para entrar na cozinha sem te assustar!

(FIM)

http://www.youtube.com/watch?v=VzL2sWd_7ig

É dando que se recebe...

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Mata-me

O mal amado

Fevereiro 2010

genérico

Mercearia do Bairro

Está um homem de meia idade a limpar o estabelecimento, entra um cliente da mesma idade.

Merceeiro (Júlio)

Olá, João. Não te via há algum tempo.

João ( cliente)

Olá, Júlio. Nem te estava a ver! A Luisa saiu de casa e não tenho andado bem. Hoje venho eu às compras.

Júlio

Eu dou-te uma ajuda. É para isso que cá estou, para ajudar os clientes. Vê lá tu, parecia tão boa rapariga e dava-te tanto jeito. Agora com esta idade, já não arranjas ninguém, vai ser uma chatice para ti...

João

Achas? Ainda me sinto tão novo e ágil.

Júlio

Parece, meu querido, parece. E olha não desmoralizando, vai ficar ainda pior. Bem pior. De dia para dia. Diz lá do que precisas.

João

Para o jantar vou levar uma daquelas embalagens de bifes congelados que têm óptimo aspecto, para ver se ganho energia.

Júlio

Mas, estás doido? Sabes o que aquilo é? Aquilo de bife, não tem nada. É tudo modificado. Diz até que faz mal aos rins, para além disso, já nem há vacas! Vacas à séria.

João

Tens razão, então vou levar um peixinho, diz que faz bem à cabeça.

Júlio

Peixe? Aquilo só faz é cancro. Todo contaminado? Sabes o que eles comem? Plástico, alcatrão, gente morta...

João

Que horror, Júlio. Então, do que é que vou viver? Frutas e vegetais?

Júlio

Eu se fosse a ti, também não me metia nisso. Isto agora é só transgénicos. Mudaram o DNA todo ás bichinhas. Diz até que faz mal à pele. Ficas cheio de carrapatas penduradas.

João

Júlio. Tu estás a deixar-me preocupado. Tu falas como se não houvesse amanhã. Ainda me sinto pior do que quando entrei. Sem esperança, sem futuro...

Júlio

E fazes bem, porque não há. Pelo menos para mim. Estou a pensar matar-me hoje. Queres matar-te comigo ? Também, estás tão mal, que o melhor que fazias era matar-te também. O que achas? Fazias-me companhia.

Nisto entram 2 assaltantes no estabelecimento.

Assaltante

O dinheiro ou a vida?

João

A vida. A vida. Mata-me já aqui. Por favor mata-me.(enquanto se agarra à perna do assaltante)

Assaltante

Meu, tás te a passar! Umas Levi`s novinhas. Baza já daí.(sacode a perna)

João

Por favor. Por favor. Júlio, diz-lhe para me matar, faz lá esse favor aqui ao teu amigo.

Júlio

Sim, por favor matem-nos, matem-nos. Vocês são uma benção vinda do Céu. Aleluia. Aleluia. Aleluia! (agarra-se à perna do outro assaltante)

Assaltante

(para o outro assaltante)

Meu, vamos bazar. Estes ainda são piores do que nós. Gandas malucos! Achas que os gajos dão na erva?

Assaltante 2

Meu! Isto é muito à frente! São químicos quase de certeza, meu. Químicos. Os gajos tão todos queimados, meu. Bora aí bazar...deixa os manos curtir.(saem)

Júlio

Eu nem acredito ...foram-se embora...

João

Olha...pois foram...(com ar triste).Isto é um sinal, Júlio, um sinal. Vamos comemorar(ajuda o amigo a levantar-se). Ou achas que já modificaram a cerveja e as miúdas também?(saem)

m o DNA todo ás bichinhas.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Renato Brunetta


EXT. ENTRADA DE UMA CASA. DIA

O ministro Renato BRUNETTA toca à campainha de uma casa. Uma MULHER abre a porta.

MULHER
Bom dia.

BRUNETTA
Bom dia minha Sra.

MULHER
Ahhh… O Sr. é o ministro Burreta, não é?
Aquele da lei dos 18 anos?!

BRUNETTA
Eu sou o ministro Renato Brunetta.

MULHER
Pois… Eu reconheci-o logo assim que o vi.
Em que posso ajudar, Sr. Burreta?

BRUNETTA
Tenho informação que vive cá em casa convosco o vosso filho de 18 anos.

MULHER
O meu filho vivia, já não vive!

BRUNETTA
Ai sim?

MULHER
Sim, eu acho muito bem isso da sua lei.
Os jovens têm que ir viver o mundo.

BRUNETTA
Fico então muito satisfeito por saber que estão a cumprir a lei.

Nisto, ecoa uma frase gritante vinda do interior da casa.

FILHO
Mãe, onde estão os meus boxers amarelos com uns porquinhos?

A mulher fica nitidamente atrapalhada. O ministro observa-a com um ar um pouco chateado por o tentarem enganar. De novo se ouve a voz de um jovem no interior da casa.

FILHO
Oh mãe, não ouves? Os meus boxers preferidos tão onde?

MULHER
(gritando para o interior da casa)
A mãe já vai ver. Espera um pouco.

BRUNETTA
Com que então seu filho já cá não vivia?!

MULHER
Não me leve a mal, Sr. Burreta mas meu filho é ainda um bebé.

BRUNETTA
Aos 18 anos já tem mais do que idade para sair de casa dos pais!

MULHER
Ele nem sabe estrelar um ovo. Ele nem sabe fazer uma cama.
O Sr. por acaso com essa idade já sabia fazer isso?

BRUNETTA
(atrapalhado)
Antigamente eram outros tempos.

MULHER
Sr. Burreta, ele não vai sobreviver sem nós, os pais. Ele ainda é um bebé, completamente indefeso, não conhece os perigos da vida, não saberá se defender, nem se desenrascar.

BRUNETTA
Lamento mas a lei é para cumprir. Com o tempo, ele aprenderá a desenrascar-se.

MULHER
Que mal lhe pergunte, o Sr. Burreta já tinha saído de casa com essa idade?

BRUNETTA
(atrapalhado)
A Sra. sabe perfeitamente que antigamente eram outros tempos, não se compara com agora.

Aparece o filho. Vem do interior da casa. Descrição do filho: muito alto, cerca de 1,90m, bastante musculado e veste apenas uns boxers.

FILHO
Mãe esse nanico está a chatear-te? Se tiver eu trato já do assunto!

MULHER
Não, não está a chatear.

BRUNETTA
Eu sou o ministro Renato Brunetta e vim garantir que sais de casa dos teus pais e vás viver a tua vida.

MULHER
(falando baixinho para o filho)
Este é aquele da lei dos 18 anos!

FILHO
Ai sim? E como pretende garantir isso?

BRUNETTA
Nem que eu tenha que te tirar daqui com as minhas próprias mãos.

FILHO
Ai sim? Força nisso!

MULHER
(falando baixinho para o filho)
Vai lá para dentro filho que eu trato disto!

FILHO
(falando para a mãe)
Quero ver como este nanico de homem me vai tirar daqui!

BRUNETTA
Eu preferia que as coisas fossem ao bem mas pronto.

O ministro empurra o jovem, puxa-o por um braço, tenta pegar nele ao colo, volta a empurrar o jovem com toda a sua força, volta a tentar pegar nele ao colo e o jovem não se mexe nem um milímetro do sítio. O ministro já está claramente fatigado e a suar. Brunetta despe o casaco e a gravata e atira-os para o chão. Tenta pegar o jovem ao colo novamente. Não conseguindo, dirige-se ao carro onde se encontram o seu segurança e o seu motorista. Regressa.

FILHO
Então os seus macacos de estimação conseguiram pensar por si próprios?
Eh pah, tem uns macacos inteligentes!

BRUNETTA
Bem, estive aqui a analisar a situação.
Penso que se poderá abrir uma excepção, visto que o seu filho ainda é claramente um bebé, que ainda não reúne as condições para habitar sozinho.

MULHER
Obrigada Sr. Burreta.

FILHO
(com ar irónico)
O quê? Já acabou a diversão? Eu estava a divertir-me tanto.
Oh Sr. nanico (sem ofensa claro) quer estar presente numa festa que eu vou dar para a semana? Iria ser brutal ter lá a sua presença! O Sr. é tão divertido!

O ministro nada diz. Apanha o casaco e a gravata e dirige-se para o carro.

(FIM)

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Quem conta um conto... II


I. INT. MERCEARIA. MANHÃ

O Sr. VASCO está a arrumar uns artigos alimentares. JÚLIA entra na mercearia.

JÚLIA
Bom dia Sr. Vasco!

VASCO
Então Sra. Júlia pelo que estou a ver já está bem melhor!

JÚLIA
Foi uma gripe mas já passou.

Júlia vai buscar alguns produtos de que necessita ás prateleiras e depois dirige-se com os produtos à caixa para pagar.

JÚLIA
Acho que o Pedro e a Bruna fugiram os dois!

VASCO
Fugiram?

JÚLIA
De certeza, eu já não os vejo a nenhum dos dois há uns dias.
Demasiada coincidência não?

VASCO
Mas eles namoravam?

JÚLIA
As evidências dizem tudo!

VASCO
Isto de facto! O mundo está perdido.

JÚLIA
As jovens de hoje em dia não têm juízo.

VASCO
Já no outro dia, uma miúda de 18 anos fugiu com um padre.

JÚLIA
Agora só se vê é disto.

Mais tarde entra PAULA na mercearia. Uma jovem com cerca de 20 anos.

VASCO
O que vai hoje Paula?

PAULA
Vim apenas comprar uns chocolates.

VASCO
Podes escolher os que quiseres. Está à vontade.

PAULA
Obrigada Sr. Vasco.

Paula dirige-se até à estante onde estão os chocolates.

VASCO
Já sabes que a tua amiga Bruna foi viver para a Alemanha com o Pedro?

PAULA
A Bruna e o Pedro? Não, não sabia!

VASCO
Imagino como estará a mãe dela. De rastos com certeza!
Anda uma mãe a criar uma filha para isto!

PAULA
A mãe compreenderá com certeza!

II. INT. CASA BRUNA. DIA

A campainha toca. Bruna vai abrir a porta.

BRUNA
Paula? Não tava à tua espera…

PAULA
Amiga, soube agora que o Pedro te tinha raptado e vim logo assim que soube!

BRUNA
Raptado?

PAULA
Conta tudo: manteve-te em cativeiro onde? Numa casa abandonada no meio da floresta? Ai que excitação!

BRUNA
Onde foste buscar essa história? Tás maluca?

PAULA
Contaram-me na mercearia aqui da vila…

BRUNA
Se eu tivesse sido raptada não tava aqui à tua frente!

PAULA
(com ar pensativo)
Humm… Não penses que me enrolas com essa desculpa.


BRUNA
Não é desculpa! Não há rapto nenhum!

PAULA
Não percebo porque não confias em mim, eu conto-te as minhas cenas todas. Já tu!

BRUNA
Contaria se houvesse algo para contar.
Isso são histórias que inventam, já sabes como o povo da vila é!

PAULA
Vá conta lá! Tou em pulgas para saber os pormenores! Deve ser uma excitação estar numa casa no meio do nada, com os pés e as mãos amarrados…e o Pedro é um homem bonito, charmoso e com tudo no sitio!

BRUNA
Pela última vez: não foi raptada, nem pelo Pedro, nem por ninguém! Tu agora acreditas em tudo o que te dizem?

Ouve-se o som da campainha. Bruna vai abrir a porta. É PEDRO.

PEDRO
Vim raptar-te novamente por uns minutos!

(FIM)

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O TIO

Igreja dos Anjos-Noite
À porta da sopa do pobre está uma pequena multidão de pessoas, que entram, saem, ou simplesmente conversa.
Ao longe, começa a aparecer uma limusine, que acaba por estacionar à porta da mesma
Interior do carro
Um homem na casa dos 30/40 anos fala ao telefone, com ar preocupado.

Tio
A menina é tonta? Convidar a Cachucha Maria? Já não bastava ser eu a levar o jantar, e agora ainda para mais, a menina convida essa histérica? Já viu o que ela come? Aquilo só para ela é um ordenado.
Acabou de me fazer três rugas com a conversa, sua oca, que não pensa. Deixe lá, quem leva comida para dois, também leva para quatro.

Põe a mão na testa em sinal de desespero
Não Patucha, bolas que você é burra. Pense, menina, pense. Claro que não convidei mais ninguém, a Cachucha é que come por duas. Mas que parva, não percebe nada. Vou a caminho levantar o nosso jantar. A despesa que a menina me arranjou Vou só cumprimentar e agradecer à Anucha, por nos preparar a ceia desta noite. Sabe como é, ama-de-leite é quase mãe. Sim, eu dou. Bejinho, quiducha até já

Perfuma-se, em exagero, com ar enojado, nos braços, no cabelo, no pescoço, encolhe os ombros, e põe na boca também. Começa a ficar nublado do exagero de perfume.
O carro pára à porta da sopa da pobre.
Vê-se o motorista a sair, contorna o carro, e vai abrir a porta de trás. Quando a porta abre sai uma lufada de fumo.
Sai uma figura imponente e bem-vestida, esbraceja ao sair, envolto no fumo, mas que logo se recompõe. Traz um chapéu alto, uma bengala, e um grande casaco leopardo dos ombros até aos pés.

Tio
Baltazar, traga o saco.
Baltazar, vai ao porta- bagagens, de onde retira um saco enorme, castanho

Tio
Mas, tá doido? - grita enquanto dá uma bengalada em Baltazar - O Chanel, Baltazar, o Chanel. Já viu que mal que esse fica, com este casaco que tenho vestido? Ton sur Ton, Baltazar.Estilo, Moda,… qualquer coisa… Isto é insuportável...
Impaciente
Não sabem nada. O preto Baltazar, o preto.

Baltazar
EU?

Tio
Não é nada você, homem, é o saco!- Mas que parvo que este me saiu
Dá-lhe outra bengalada e vai ele mesmo buscar o saco
Pendura o saco nas mãos de Baltazar
O tio dirige-se para junto dos sem abrigo, de braços abertos, seguido logo atrás, por Baltazar.

Tio
Meus queridos, como vão passando? Ai, tão magrinhos, tão elegantes. Muita fominha, não? pois claro. Mas olhem que lhe fica tão bem

Pega na mão de um sem abrigo esquelético e com ar abatido, e faz com que este dê uma volta, sobre si.

Tio
Olhe para si. Quem o viu, e quem o vê. Desde a semana passada, para cá, emagreceu imenso. É que não lhe fica nada mal. Está janota.
Saca da mala, de maquilhagem, e rapidamente faz-lhe umas rosetas coloridas na cara.

Tio
Um tonzinho e até parece que foi ao solário. Perfeito, fazia um figurão na Vogue.
Ajeita-lhe a gola do casaco, dá umas voltas ao cachecol, dá-lhe uns toques no cabelo, com uma escova e laca, que saca da mala, e o outro fica irreconhecível.

Tio
Pronto, agora sim. É preciso é ter estilo.

Sem-abrigo 1
Veja lá o que faz. Da última vez que passou por cá, não comi durante dois dias.

Tio
Que horror, o que as pessoas dizem. Então não se vê logo? Mas onde é que você anda a pedir? Na Morais Soares? No Rossio? Só lá, é que você passa despercebido. Mas olhe, não foi isso que eu vim cá tratar hoje. Hoje tenho um jantar com uns amigos influentes e para vos defender, preciso de levar amostras de toda a comida que servem por aqui. E olhe, divida em quatro caixas, que é para cada representante poder avaliar. E muita salada, para colorir e sempre dá outro aspecto.

Baltazar – grita -
Dê cá o saco. Estão aqui umas maçâs com óptimo aspecto
Diz enquanto observa atentamente as maçâs.
Não são portuguesas. E ainda por cima são verdes.

Sem-abrigo 2
Então?, são verdes porque são Smith

Tio
Smith, não. Bettencourt, meu querido Bettencourt. Tudo o que é verde, é dele. Quer ver que você sabe mais que eu? Você por acaso já foi ao estrangeiro, já? Eu, que já fui mais de vinte vezes? Tadita da criatura, já fala, acha que já sabe.

Baltazar – grita –
Traga o saco.
Pega na cesta e entorna todas as maças para dentro do saco.

Sem-abrigo 2
Então? Leva as maças todas? Mas é a fruta que temos para hoje.

Tio
Devia estar era agradecido. Tudo verdíssimo. Nem daqui a quinze dias aquilo estava bom. É um favor que vos faço.

Sem-abrigo 1
Aqui está, Tio, o que me pediu. Quatro caixas, com o jantar de hoje, separadas e com muita salada. Aproveitei e trouxe o meu também. Croquetes. É servido?

Tio
Horrorizado
Croquetes? Nem pensar. Você já viu bem, o seu tamanho? Um homem como você, não se sustenta a croquetes, e depois já viu, é só fritos. Isso só lhe faz é mal.

Baltazar – grita –
Guarde os croquetes do homem. Olhe, e dos outros também. É menos um problema na vida deles, e é a minha boa acção de hoje. Realmente, este país vai de mal a pior. Onde é que isto já se viu? Croquetes? Tss,tss,tss à miséria a que chegamos.
Baltazar apressa-se, a retirar do saco preto umas marmitas, e começa a recolher toda a comida dos sem abrigo.

Tio
Então e mais nada?
Não bebem nada? .
Sem-abrigo
Às vezes, quando está frio, dão-nos também uma pinguita, mas hoje não deram.

Tio
Não deram? Mas você já viu o frio que está hoje? Faça o favor de ir lá dentro imediatamente reivindicar o que é seu, homem.
O sem-abrigo, desaparece no interior, para voltar de seguida, carregado com algumas garrafas de vinho tinto.

Tio
Ora deixe lá ver…
Observa os rótulos
Pois,… vou levar isto também. Vou levar, para que eles possam ver o que vocês criaturas bebem. Malíssimo. Um vinho sem qualidade nenhuma. Onde é que isto já se viu, tratarem pessoas da vossa categoria desta forma?. Assim posso provar-lhes o que está a acontecer.

Baltazar- grita- Vamos embora.
Adeus amigos, para a semana passo outra vez. Vou fazer uma recolha de roupa, para ajudar as pessoas do Haiti, e o que não me servir, não conseguir vender ou eu não gostar trago para vocês, meus queridos. Adeus